20/06 - DOIS ANOS MORANDO NO SERTÃO

Exatamente há dois anos atrás, ás 16h30 chegamos todos da minha família ao sertão. Viajamos em comboio (três carros de passeio e uma moto dentro do caminhão de mudança que vinha na frente abrindo caminho) Pense nisso como sendo uma visão sofisticada de uma família de retirantes. Foi uma viagem muito boa, o tempo estava nublado, sem previsão de chuva e fazia um friozinho muito gostoso. Não tínhamos pressa. Parávamos a cada cidadezinha, deslumbrados com as paisagens que horas lembravam as obras de Graciliano Ramos misturadas com os romances picantes de Jorge Amado. Por onde passávamos havia um clima de festa com bandeirolas enfeitando o comércio e o forró comendo solto nas rádios locais. É... Agora era realidade, estávamos de fato pisando em solo nordestino. (Barreiras é uma mistureba de Brasília, com ritmos goianos e tradições gaúchas). A proposta de vir morar aqui foi no intuito de darmos um “up grade” em nossas vidas acomodadas. Lá na querência havia uma sensação de zona de conforto. Já éramos por demais conhecidos, já tínhamos as respostas de como seriam os nossos dias e a certeza que dali era só cumprir o ciclo de existência. (nascer-crescer- reproduzir- envelhecer - morrer). Onde que isso combina comigo?!?!?! No primeiro ano vivíamos como turistas. Gastamos um dinheiro louco!!! Afinal, tudo aqui é mais barato... ou Barreiras era mais caro?! Sei lá! O importante era está em todos os lugares e conhecer todas as pessoas. Já no segundo ano... Bem! Estamos numa terra abençoada por Deus em termos de produtividade e beleza. Mas completamente dominada pela cultura de exploração da mão de obra local. Trata-se de um clamor geral propagado não só pela classe de prestadores de serviços gerais, mas principalmente (acredite) pelos profissionais de formação acadêmica. Entre esses alguns amigos e primos advogados, publicitários, engenheiros, contabilistas e até um médico. Todos, sem exceção, vitimados por um verdadeiro sistema de castas, não da novela das oito, mas do sistema feudal atrasado do século XIX. Onde o empresariado arranca o pêlo, o couro e o osso do proletariado, independente deste saber fazer contas só com os dedos ou ser Phd em exatas. Isso tudo por um salário de fome. Algo parecido com Caminho das Índias X Brasil colônia = 0 X 0 no placar do desenvolvimento do Vale. E ponto para os cartolas seguidores do diabo, que aqui numa terra de evangélicos a palavra diabo tem tanto ou mais conotação que o nome de Deus. ( isso é assunto p/ mais um post). Morar numa região com um potencial incrível e não ter oportunidades é a mesma sensação de andar numa Ferrari montada sobre quatro rodas de carro de boi, subindo a ponte segurando o freio de mão no que diz respeito a trabalhos, projetos e amigos também! Amigos sim, blogueiro! Explico: Existe uma divisão mais que territorial. Na verdade uma divergência local. Baianos e Pernambucanos não se entendem por aqui. Sendo que o que separa as pessoas é só uma única ponte. Algo que deveria funcionar como um elo de ligação e acaba por se tornar um divisor de águas. TODO MUNDO DESCONFIA DE TUDO MUNDO!!! Acredito que seja por achar que estaria esse, falando com o vizinho do outro lado da ponte. Mas nem só de pão vive o homem... E sem querer fazer verso, digo que Petrolina e Juazeiro são arenas de formar guerreiros. Esse mesmo guerreiro que existe dentro de você que está lendo esse post agora. Afinal quem consegue conviver e vencer todos os dias os leões da desconfiança, da criminalidade, da falsidade e do desrespeito sem se desvirtuar, acaba por forjar seu próprio caráter. E eu com isso?! Sendo baiana-mulher e guerreira - faço como estou fazendo agora... Estou tranquilamente sentada a beira do cais num fim da tarde, admirando o pôr do sol mais lindo do mundo, tomando um dos melhores vinhos produzidos em nossas vinícolas, num friozinho gostoso e digitando esse post com o firme propósito de me fazer entender através do teclado desse computador. Aproveito para encerra me apropriando da poesia do pernambucano Geraldo Azevedo, um petrolinense que diz o seguinte: “-De todo lado é bonito, são dois estados de espírito, no meio fico e não nego. Navego no Velho Chico...”.